BLOCOS LÓGICOS - INSTRUMENTO DE APRENDIZAGEM COM FOCO NEUROPSICOLÓGICO

10/02/2018 17:18

BLOCOS LÓGICOS

INSTRUMENTO DE APRENDIZAGEM COM FOCO NEUROPSICOLÓGICO

 

Gleide Moreira Teixeira Guimarães *

 

 

RESUMO

 

Observando as inúmeras possibilidades oferecidas com uso de jogos construídos a partir dos Blocos Lógicos e seus benefícios na intervenção, tanto em nível de prevenção, como em nível de reabilitação, surgiu a necessidade de um estudo mais específico sobre o tema.

Sendo assim, esse trabalho visa avaliar o uso dos Blocos Lógicos, sua importância e possíveis benefícios na prevenção e/ou reabilitação em situações de aprendizagem. Para esse fim foi feita uma pesquisa bibliográfica de autores que abordam o referido instrumento, a ludicidade na aprendizagem e a aprendizagem na visão Neuropsicológica. Embasada por esses teóricos, busquei fazer uma análise à luz da Neuropsicologia sobre como o instrumento Blocos Lógicos pode ser utilizado na aprendizagem e as possibilidades lúdicas que oferece; observando quais funções podem ser ativadas com o seu uso, de que forma isso ocorre, a importância da Neuropsicologia para a aprendizagem e os benefícios que podem ser alcançados.

 

PALAVRAS CHAVE: Blocos Lógicos 1. Aprendizagem 2. Neuropsicologia 3.

 

 

INTRODUÇÃO

 

Sob o ponto de vista da Neuropsicologia o aprendizado transcorre no cérebro, mais precisamente no sistema nervoso central (SNC), que engloba cérebro, cerebelo e medula. É claro que existem vários outros componentes envolvidos nesse processo, como o ambiente, o aprendiz, o professor, a condição emocional, etc. A aprendizagem se dá quando o sujeito é submetido a estímulos e/ou experiências de vida, ocorrendo modificações do SNC, mais ou menos permanentes, que serão traduzidas em modificações cerebrais. Então, as alterações plásticas são as formas como se aprende.

Como vemos, a aprendizagem é a articulação entre saber, conhecimento e informação e se dá pela observação do objeto, pela ação sobre ele, pelo desejo e pela interação com o meio. É uma construção singular que o sujeito vai fazendo segundo seu saber e vai transformando as informações em conhecimento, deixando sua marca como autor e vivenciando a alegria que acompanha esse processo. Ao trabalhar com o processo de aprendizagem e suas dificuldades, se torna relevante que os profissionais busquem recursos diversos para desenvolver atividades que contribuam para a aprendizagem, socialização e independência dos sujeitos. Dentre estes, temos os jogos e brincadeiras, a informática, a música, os desenhos e tantos outros recursos importantes utilizados no espaço terapêutico para o desenvolvimento cognitivo.

O interesse sobre a relação entre o jogo e a educação é remoto. De acordo com Kishimoto (1994) os primeiros estudos sobre jogos datam da Grécia e Roma antigas, em que se colocava a importância do aprender brincando. Este mesmo autor (2000), ainda dizia que a brincadeira e o jogo interferem diretamente no desenvolvimento da imaginação, da representação simbólica, da cognição, dos sentimentos, do prazer, das relações, da convivência, da criatividade, do movimento e da autoimagem dos indivíduos. Há que se levar em conta que todo o desenvolvimento que esses recursos trazem para o indivíduo é pré-requisito para ativar seus recursos de conhecimento.  Assim, vemos que os jogos são recursos que irão colaborar na educação, estimulando o autoconhecimento, a autonomia e a interação social, facilitando a aprendizagem. Para os Vygotiskianos, (apud Kishimoto, 1994, p.42) “os jogos são condutas que imitam ações e não apenas ações sobre objetos ou uso de objetos substitutos”.

Os estudos que originaram esse artigo buscaram compreender a importância dos inúmeros jogos possíveis de serem construídos com instrumento Blocos Lógicos para ativar os recursos de conhecimento do indivíduo, os processos de aquisição de aprendizagem e quais são suas implicações na Neuropsicologia. Desenvolvi este trabalho iluminada por alguns dos teóricos que sedimentam a minha prática, e fizeram-me sistematizar e aprofundar meus conhecimentos a cerca deste assunto; levando-me a desenvolver análises crítico-reflexivo sobre o tema e por minha prática profissional junto a sujeitos com necessidades especiais e/ou dificuldades de aprendizagem.

Na busca desses conhecimentos, temos a Neuropsicologia, que estuda a relação entre cérebro e comportamento, destacando-se as capacidades mentais mais complexas típicas do ser humano, como linguagem, autoconsciência, memória e aprendizagem e, na área da aprendizagem, estuda as características e os transtornos específicos da aprendizagem. Sendo a sua intervenção direcionada para o diagnóstico, intervenção, reabilitação e a prevenção das dificuldades do sujeito em atendimento. Entre os instrumentos para esse fim, os jogos, são ferramentas usadas, adequando-os no processo avaliativo e interventivo de modo que possibilitem ao atendido superar suas dificuldades ou ativar funções necessárias para que a aprendizagem ocorra. Os jogos podem ser usados com crianças, adolescentes, adultos e idosos, permitem trabalhar com o conhecimento adequando ao funcionamento do cérebro, entender como selecionar, classificar, memorizar, processar, elaborar estratégias, criar novas rotas de aprendizagem, etc. Por tanto, são ferramentas importantes no processo de reabilitação em casos especiais para ativar as áreas do cérebro. Porém, deve ser usado com objetivos claros e embasamentos teóricos, do contrário, passará a ser apenas uma brincadeira sem propósito terapêutico.

Dentre eles, temos os inúmeros jogos que podem ser construídos com os Blocos Lógicos. Rico material largamente conhecido, muito utilizado em escolas de educação infantil, no entanto pouco explorado em suas inúmeras formas possíveis de uso, inclusive em atividades mais complexas com adolescentes e até adultos. Enfim, é um material que pode ser usado em todas as faixas etárias, tanto individualmente, como em grupos; oferecendo condições de desenvolver, no sujeito, uma estrutura lógica bastante flexível, facilitando a articulação de raciocínios e a busca de múltiplas soluções para problemas que possam surgir.

 

 

PIAGET E O JOGO INFANTIL

 

Os estudos que evidenciam o jogo e a ludicidade como fator de grande importância para a aprendizagem foram, em sua grande parte, influenciados por Piaget e sua obra nos anos 70. Ele afirma que "O jogo é um tipo de atividade particularmente poderosa para o exercício da vida social e da atividade construtiva da criança" (Piaget, 1975); por meio do jogo a criança assimila o mundo para atender seus desejos e fantasias. Segundo ele (1975) o jogo segue uma evolução que se inicia com os exercícios funcionais, continua no desenvolvimento dos jogos simbólicos, evolui no sentido dos jogos de construção para se aproximar, gradativamente, dos jogos de regras, que dão origem à lógica operatória.

Então, observamos que, segundo Piaget (1975):

• O jogo de exercício representa a forma inicial do jogo na criança, acompanhando o ser humano durante toda a sua existência. É quando ela repete uma determinada situação por puro prazer, por ter apreciado seus efeitos.

• O jogo simbólico são exercícios onde a criança utiliza sua imaginação, ou seja, o pensamento egocêntrico. É o mundo do faz de conta, onde o símbolo implica a representação de um objeto ausente. Desta forma a criança que “alimenta” uma boneca imaginando ser um bebê, representa simbolicamente o bebê pela boneca.

• O jogo de regras é a última fase em que Piaget classifica os jogos. Aqui as crianças passam do individual e vão para o social, uma vez que os jogos possuem regras básicas e necessitam de interação entre elas. Desse tipo de jogo resulta a aprendizagem de regras, de comportamento, construção de relacionamentos afetivos e de respeito às ideias e argumentos contraditórios. Com os jogos de regras podemos analisar por traz das respostas, informações sobre os conhecimentos e conceitos do sujeito.

Esses níveis de conhecimento (Piaget, Apud Jean Marie Dolle, 1987) são paralelos ao desenvolvimento cognitivo e pode ser classificado como:

• Motor - não há atividade social e não apresenta nenhuma compreensão de regras;

• Egocêntrico - adquire a consciência da existência de regras como fixas e começa a querer jogar com outras crianças, dando-se os primeiros traços de socialização;

• Cooperação - há compreensão quase plena das regras do jogo;

• Codificação de regras - a maioria passa a entender que as regras são ou podem ser feitas pelo grupo, podendo ser modificadas, mas nunca ignoradas.

Assim, vê-se que cada faixa etária corresponde determinados tipos de aquisições mentais e de organização destas aquisições que são modificadas em função da melhor organização e que condicionam a atuação da criança em seu ambiente. Cada estágio constitui uma forma particular de equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no sentido de uma equilibração sempre mais completa e de interiorização progressiva (Piaget, 1975). A origem destas manifestações lúdicas acompanha o desenvolvimento da inteligência vinculando-se aos estágios do desenvolvimento cognitivo. Outro conceito essencial da teoria de Piaget sobre o jogo é a relação deste com o processo de adaptação, que implica dois processos complementares: a assimilação e a acomodação.

A assimilação é o processo pelo qual a criança, quando se depara com determinados problemas do mundo externo, utiliza, para resolvê-los, estruturas mentais já existentes. Já a acomodação é quando a criança se depara com o problema e não consegue resolver com as estruturas existentes, modificando-as. Para Piaget as crianças adaptam-se ao ambiente através do processo de equilibração, ou seja, quando assimilam novas informações e acomodam-nas às suas estruturas mentais, dando-se assim, o equilíbrio entre os dois processos, podendo daí, transformar a realidade. Nesta concepção as etapas de desenvolvimento das crianças são de extrema valia para o entendimento da atividade lúdica e seus efeitos na vida do individuo.

 

 

O JOGO COMO RECURSO TERAPÊUTICO

 

O profissional que lida com as questões relacionadas ao processo de aprendizagem tem como missão retirar as pessoas da sua condição inadequada de aprendizagem, fazendo-as perceber suas potencialidades recuperando, desta forma, seus processos internos de apreensão de uma realidade nos aspectos: cognitivo, afetivo-emocional e de conteúdos. Como a ludicidade é um forte atrativo para que os indivíduos se motivem na busca de uma aprendizagem prazerosa, temos os jogos como aliados nesta tarefa. Segundo Winnicott (apud Weiss, 2004, p.72) “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade, e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu”.

Os jogos lógicos são uma forma de aproximação dos sujeitos, fazendo com que ponham em funcionamento tanto seus aspectos emocionais, como cognitivos. Serão de grande utilidade não só para o tratamento, mas também para o diagnóstico, porque se podem detectar: a antecipação, a descentração, a classificação, a seriação, a conservação, a compensação, a reversibilidade, como se aceitam as regras impostas, o ponto de vista do outro, a tolerância, a frustração etc.

Como vemos os jogos são recursos indispensáveis tanto na avaliação como na intervenção relacionadas à aprendizagem, uma vez que, favorece os processos de aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Sua utilização numa intervenção, apresentada por Jorge Visca e por Lino Macedo, é de que ao se propor um jogo é preciso ter em mente o porquê de jogar, o que jogar, para quem, com que recursos, de que modo jogar, quando e durante quanto tempo jogar, e qual a continuidade desta atividade ao final de seu desenvolvimento. Essa intervenção pode apresentar um caráter preventivo ou curativo.

O caráter preventivo vai estimular o sujeito a agir, elaborando previamente estratégias para a solução de problemas; enquanto que o caráter curativo é direcionado para pessoas que apresentam algum tipo de dificuldade na aprendizagem. Nesse caso é preciso identificar essa dificuldade e criar condições favoráveis para superação. Macedo (1997) afirma que: "jogar é fundamental para o desenvolvimento do raciocínio, e traz muitas contribuições para a aprendizagem, principalmente se as crianças têm a oportunidade de exercitar essa atividade com frequência”. Por isso na escolha dos jogos que serão utilizados, o profissional deve conhecer as condições e necessidades de cada etapa evolutiva na construção de seus esquemas de conhecimento. Como podemos observar o aspecto colocado por Lino de Macedo, compatível com Nádia Bossa (2000, p. 23), que afirma que cabe ao profissional: “... saber como se constitui o sujeito, como este se transforma em suas diversas etapas de vida, quais os recursos de conhecimento de que ele dispõe e a forma pela qual produz conhecimento”.

Essa atividade pode nos dar respostas quando o indivíduo não consegue expressar-se verbalmente e o faz através do jogo. Porém faz-se necessário atentar que o profissional não interpreta, mas procura compreender as manifestações simbólicas, buscando adequar as atividades lúdicas às necessidades de cada indivíduo e o momento que devem ser utilizadas, a fim de promover a ativação dos seus recursos de conhecimento sem atacar o sintoma.

É interessante relembrar a ótica da teoria da psicologia genética, tendo Piaget (1975) como uma das principais expressões. Onde o brincar e o jogar representam uma atividade por meio da qual a realidade é incorporada pelo indivíduo e transformada, quer em função dos hábitos motores nos jogos de exercícios, quer em função das necessidades do seu eu no jogo simbólico ou em função das exigências de reciprocidade social nos jogos de regras. Evidentemente o profissional deve saber o momento exato de interferir e de que maneira deve intervir a fim de estimular no indivíduo entendimentos e novas ações, de modo a ajudá-lo a conhecer outras possibilidades de aprendizagem. Essa intervenção pode estar baseada na solicitação da justificativa, onde o conhecimento das estratégias usadas pelo indivíduo proporciona conhecimento de si mesmo e um modelo para resolver outras situações vividas no dia-a-dia (Visca, 1987).

Enfim, o jogo é um excelente recurso para o atendimento neuropsicológico em situações de aprendizagem, porém é preciso que o profissional, ao usar o jogo como recurso de intervenção preserve a ludicidade usando-o como instrumento de vinculação afetiva e cognitiva com as situações de aprendizagem. Para tanto é preciso que faça intervenções de caráter subjetivo, para que o sujeito vá se percebendo e se construindo como pessoa aprendente. Dentre esses jogos, temos os que podem ser construídos a partir dos Blocos Lógicos, rico instrumento, que pode ser largamente utilizado na intervenção em várias situações.

 

BLOCOS LÓGICOS E SUAS POSSIBILIDADES

 

Blocos Lógicos, instrumento muito conhecido, entretanto pouco se discute a respeito das suas possibilidades de exploração. São compostos por: quarenta e oito peças, com quatro variáveis, divididas em três cores (amarelo, azul e vermelho), quatro formas (círculo, quadrado, triângulo e retângulo), dois tamanhos (grande e pequeno) e duas espessuras (fino e grosso). A proporção das medidas é de fundamental importância:

·         O retângulo é metade do quadrado;

·         O Triângulo tem os três lados iguais, cada um corresponde ao lado do quadrado;

·         O quadrado pequeno corresponde a um quarto do grande;

·         As peças grossas têm o dobro da espessura das finas.

                     

Eles constituem um material extraordinário para desenvolver a flexibilidade de raciocínio e para estimular aspectos fundamentais como analisar, raciocinar, julgar a partir da ação, argumentar; levando a uma comunicação articulada que vai possibilitar um desenvolvimento aprimorado do raciocínio lógico, desenvolvendo uma estrutura lógica bastante flexível e edificando uma estrutura sólida para as demais aprendizagens. Desta forma o aprendiz aprende a pensar, passando a compreender os conteúdos que lhe são apresentados, passando a ser agente de seu aprender.

A lógica é a arte de pensar com acerto. Para que o aprendiz possa desenvolver uma aprendizagem acadêmica flexível, com criatividade é necessário que tenha o raciocínio lógico pleno. Esse raciocínio lógico é construído através da ação, a partir de relações que o próprio sujeito cria entre os objetos, a partir daí, vai criando outras e, assim sucessivamente, fundindo-as com experiências já existentes, incorporando-as, passando a fazer parte da estrutura do sujeito.

Os jogos com Blocos Lógicos podem até serem usados com crianças a partir dos dois a quatro anos, quando num período pré-lógico (ainda global), mais, ainda para brincar livremente. Nesse período pode-se usá-lo sem muita preocupação em oferecer atividades estruturadas, mas para trabalhar noções de cores, tamanho, espessura.

                                           

No entanto, a idade ideal para introduzir os Blocos Lógicos nas atividades da criança é a partir dos quatro e os seis anos, na fase articulada, quando já se conseguem trabalhar alguns critérios. A partir dessa fase podemos iniciar o uso de jogos, podendo ser desenvolvidos para que ela separe por vários critérios, como por ordem de tamanho ou ainda faça contagem. Inicialmente deve ser apresentado sem qualquer orientação, para que o explorem e brinquem livremente. Provavelmente irão formar figuras de seu universo, como casas, carros, animais, torres. Somente a partir desse contato com o objeto, será capaz de seguir a consigna de um jogo proposto.

Inicialmente a intervenção profissional deverá explorar os atributos das peças, envolver as noções de cores, formas, tamanhos, espessura. Depois que esgotem todas as descobertas em relação ao material, podemos propor jogos estruturados. Esses jogos podem ser individuais e/ou grupais e neles, a verbalização é muito importante, pois não basta que a criança brinque intuitivamente, é necessário que também pense sobre sua ação de brincar e coloque as suas conclusões, levando-a a elaborar o pensamento e construir a capacidade de argumentação. Iniciar por jogos que envolvam a classificação é interessante, pois, nessa idade, é fundamental oferecermos atividades que permitam uma descentração do pensamento para leva-la a sair do pensamento egocêntrico e onipotente. É através da sua ação, que vai modificando o mundo à sua volta e, com isso, modifica a si mesma, as suas funções psíquicas superiores. A mediação do profissional deve ser cuidadosa, questionando, mas nunca determinando a ação.

                               

Em minha prática, venho procurando ter uma escuta sensível, um olhar apurado, para detectar as dificuldades surgidas e, a partir de jogos sugeridos em algumas obras, como no livro Blocos Lógicos de (Simons, 2007), venho desenvolvendo vários jogos, através dos quais trabalho de forma lúdica, não somente com crianças, mas com jovens e adultos. Esses jogos, além de trabalharem e estimularem o raciocínio lógico, também podem envolver o corpo, a imaginação, argumentação, análise, classificação, agrupamento, separação, motivação, manipulação, flexibilidade, conectivos lógicos, conceituação, controle, seriação, opostos, combinação, inclusão/exclusão, síntese, autonomia do pensamento, quantificadores, generalização, noção de espaço, noção de implicação, negação, dedução, intersecção, abstração, memória... Trabalhando e estimulando assim, várias funções, não somente as ligadas à lógica.

Percebo que, trabalhando e exercitando essas vivências e noções, a aprendizagem sistemática flui com mais leveza, mais naturalmente. Assim temos adultos pensante, capazes de desempenhar as suas funções adequadamente, sem maiores dificuldades. Vemos que cada fase da vida corresponde a uma gama de conhecimentos a serem apreendidos e, na fase adulta é preciso saber transferir nossa capacidade de observar um problema complexo e real, transformando-o em solução simples e abstrata. Para isso é necessário ter noções básicas do funcionamento do mundo, como maior ou menor que, diferente ou igual a (de acordo com determinado critério, mas não ao outro), plenitude ou parcialidade, semelhante ou análogo a, sempre, às vezes ou nunca, todos ou nenhum. Cada um desses aspectos tem seu tempo de sedimentação na infância, mas nem sempre isso ocorre. Daí surgem as dificuldades nesses aspectos, que o incapacita a ter um raciocínio analítico sobre um determinado tema, comprometendo seu modo de perceber com clareza, afetando a sua ação.

 

 

A IMPORTÂNCIA DA NEUROCIÊNCIA NA EDUCAÇÃO

 

A Neurociência da aprendizagem é o estudo de como o cérebro aprende, como trabalha com as memórias, como elas se consolidam, como se dá o acesso ás informações e como elas são armazenadas. É o entendimento de como as redes neurais são estabelecidas no momento da aprendizagem, bem como de que maneira os estímulos chegam ao cérebro, da forma como as memórias se consolidam e de como temos acesso a essas informações armazenadas. Então concluímos que a Neuropsicologia procura reunir e integrar os estudos do desenvolvimento, das estruturas, das funções e das disfunções do cérebro, ao mesmo tempo em que estuda os processos psicocognitivos, responsáveis pela aprendizagem e os processos psicopedagógicos responsáveis pelo ensino.

O cérebro é composto de cerca de 100 bilhões de células chamadas neurônios que apresentam terminações nervosas: as sinapses e os dendritos. Os dendritos são prolongamentos pequenos que recebem informações proximais, de corpo celular ou soma, que contém o núcleo com o seu código genético e mitocôndrias que produzem energia, e de axônios, prolongamentos maiores que emitem informações distais. Cada uma dessas células nervosas pode ainda comportar 1.000 a 10.000 conexões com outros neurônios por via das sinapses. Então essas terminações nervosas liberam estímulos químicos e elétricos que se comunicam uns com os outros. Esta comunicação constitui caminhos neurais no cérebro e é a base para seu funcionamento. É essa fantástica comunicação que possibilita a aprendizagem.

Em qualquer processo de aprendizagem, portanto, inúmeros neurônios interagem sistemicamente e coíbem-se dinamicamente. Portanto, se bem pensarmos, os neurônios podem ser considerados as células da aprendizagem, pois são elas em si e a interação que recriam com as células denominadas glias, que sustentam e consolidam, somaticamente, qualquer tipo de aprendizagem, seja a mais simples ou a mais complexa. Para consolidar um novo aprendizado, precisamos criar vias neuronais que servirão de caminho para a prática, com a prática, as vias neurais automatizam os mecanismos necessários para conseguir executar o apreendido.  O aprendizado será mais eficaz e a recordação da informação mais fácil se mais sentidos forem estimulados e para que a memorização aconteça é necessário que a informação nova seja contextualizada e a conectada a conhecimentos pré-existentes.

Então ao falarmos em aprendizagem, estamos falando em processos neurais, redes que se estabelecem, neurônios que se ligam e fazem novas sinapses. Sendo a aprendizagem o complexo processo pelo qual o cérebro reage aos estímulos do ambiente, ativa essas sinapses, tornando-as mais “intensas”. A cada estímulo novo, a cada repetição de um comportamento que queremos que seja consolidado temos circuitos que processam as informações que deverão ser consolidadas.

O cérebro, esse órgão fascinante e misterioso, onde cada órgão se conecta e interliga-se no processo, onde cada estrutura, com seus neurônios específicos e especializados, desempenham um papel na base do aprender. Todo esse processo envolve as funções executivas, que podem ser definidas como processos mentais complexos pelos quais o sujeito otimiza o seu desempenho cognitivo, aperfeiçoa as suas respostas adaptativas e o seu desempenho comportamental em situações que requerem a operacionalização, a coordenação, a supervisão e o controle de processos cognitivos e conativos, básicos e superiores. De certa forma, reúnem um conjunto de ferramentas que são essenciais para aprender a aprender. Tratam-se de funções metacognitivas fundamentais para a aprendizagem, funções executivas que permitem, manter, gerir e manipular a informação, alterar ou inibir procedimentos, agir em função de objetivos a atingir, pensar no pensar, etc.

As funções executivas envolvem:

ü  Atenção - sustentação, foco, fixação, seleção de dados relevantes dos irrelevantes, evitamento de distratores, etc;

ü  Percepção - intraneurossensorial, interneurossensorial, meta-integrativa, analítica e sintética, etc;

ü  Memória de trabalho - localização, recuperação, manipulação, julgamento e utilização da informação relevante, etc;

ü  Controle - iniciação, persistência, esforço, inibição, regulação e auto-avaliação, etc;

ü  Ideação - improvisação, raciocínio indutivo/dedutivo, precisão e conclusão de tarefas, etc;

ü  Planificação e a antecipação - priorização, ordenação, hierarquização e predição de tarefas visando a atingir fins, objetivos e resultados, etc;

ü  Flexibilização - autocrítica, alteração de condutas, mudança de estratégias, detecção de erros e obstáculos, busca intencional de soluções, etc;

ü  Metacognição - auto-organização, sistematização, automonitorização, revisão e supervisão, etc;

ü  Decisão - aplicação de diferentes resoluções de problemas, gestão do tempo e custos, etc;

ü  Execução - finalização e concomitante verificação, retroação e reaferênciação, etc.

Diante dessa relação percebemos o quanto é importante treinar as funções executivas, especialmente, no contexto da função cognitiva, para que o potencial de aprendizagem possa ser maximizado, otimizado, regulado, controlado e enriquecido. Sabemos que a cognição e a inteligência emergem dos neurônios que constituem, principalmente, o neocórtex, que recobre a quase totalidade da superfície dos dois hemisférios cerebrais. O hemisfério direito e o hemisfério esquerdo, grandes sistemas complementares de tratamento de informação, hiperligados pelo corpo caloso, mas com aptidão para formas distintas do seu processamento e armazenamento. O hemisfério direito é mais centrado na novidade, na globalidade e na criatividade e assume a prioridade da aprendizagem, já o hemisfério esquerdo é mais enfocado na rotina, na análise e na complexidade.

A área do cérebro que implicada na ativação, coordenação, integração e gestão dessas funções executivas é o córtex pré-frontal, uma superestrutura que integra a terceira unidade neurofuncional luriana, a sede das faculdades humanas superiores.

 

CONCLUSÃO

 

Como vemos, funções executivas são funções transversais de qualquer tipo de aprendizagem, compreendem funções de controle e de regulação do conjunto do funcionamento mental, assumindo, por analogia, as funções de um maestro na orquestra da aprendizagem.

Diante do exposto, vemos que a aprendizagem é um processo complexo, dinâmico e bilateral, evolutivo e constante. É o resultado de estimulação do ambiente sobre o indivíduo já maduro, que se expressa diante de uma situação-problema, sob a forma de uma mudança de comportamento em função da experiência. Todo esse processo envolve intimamente as Funções Executivas e, os Blocos Lógicos e suas inúmeras possibilidades vêm a ser um excelente instrumento para a ativação das Funções Executivas, uma vez que, elas estão relacionadas ao altruísmo, reciprocidade, capacidade de aprender, fazer uso de ferramentas e instrumentos para a solução de problemas, habilidades comunicativas, de lidar com grupos de forma a filtrar possíveis interferências. Envolve a capacidade de ter atenção seletiva, atenção alternada, capacidade de manutenção da atenção, memória de trabalho ou de curto prazo, reconstituição ou improviso, capacidade de resignificar informações já adquiridas em novas acomodações para resolução de problemas, controle emocional, internalização da linguagem e resolução de problemas complexos, etc. Habilidades, essas, necessárias para um indivíduo constituir objetivos, planejar, organizar ações, criar estratégias eficientes, monitorar o comportamento, resolver novos problemas, inibir ou iniciar comportamentos apropriados ao contexto, tomar decisões, raciocinar e abstrair, dentre outras habilidades.

 

Salvador, 16 de junho de 2017.

 

 

* Psicopedagoga Clínica e Institucional

Associada efetiva da ABPp Bahia - 707 / Associada Titular ABPp Nacional - 304

Proprietária da: COPS - Clínica de Orientação Psicopedagógica e Social

Contato: Celular: (71) 8898-9192  /  E-mail: cops_psicopedagogia@hotmail.com

 

 

REFERÊNCIAS

BOSSA, Nádia. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 2ª edição, revista e atualizada. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.

DOLLE, Jean-Marie. Para Compreender Jean Piaget: Uma iniciação à psicologia Genética Piagetiana. Jean. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 1987.

FONSECA, Vitor. Cognição, Neuropisicologia e Aprendizagem: Abordagem Neuropsicológica e Psicopedagógica. Petrópolis, RJ : Vozes, 2009.

KISHIMOTO, Tizuko M. O Jogo e a Educação Infantil. São Paulo : Pioneira, 1994.

_______, Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação. São Paulo: Cortez, 2000.

MARCONI, Marina de Andrade; Lekatos, Eva Maria;. Fundamentos de Metodologia Científica. São Paulo: Atlas, 2007.

LURIA, Alexandre R. Fundamentos de Neuropsicologia, Livros Técnicos e Científicos Ed. S A, EDUSP, 1981.

MACEDO, Lino de. Quatro Cores, Senha e Dominó. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.

_______, Lino de; Petty, Ana Lúcia Sícoli; Passos, Norimar Christe. Aprender com Jogos e Situações-Problema. Porto Alegre: Artmed, 2000.

PIAGET, Jean. A formação do Símbolo na Criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

_______. O desenvolvimento do Pensamento: equilibração das estruturas cognitivas. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1977.

ROTTA, Newra Tellechea; Ohlweiler, Lygia; Riesgo, Rudimar dos Santos. Transtorno da Aprendizagem: Abordagem Neurobiológica e Multidisciplinar. Porto Alegre: Artemed, 2016.

SIMONS, Ursula Marianne. Blocos Lógicos: 150 Exercícios para Flexibilizar o Raciocínio. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

VISCA, Jorge. Clínica Psicopedagógica. Epistemologia Convergente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

WEISS, Maria Lucia Leme. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.